domingo, 22 de junho de 2014

Resumo de PLATÃO. Livro III de A República. O belo autônomo: textos clássicos de estética. 2a ed. ver. e ampl. Belo Horizonte: Autêntica; Crisálida, 2012, pp.13-28.

O texto é constituído de um diálogo entre Platão e Adimanto, que refletem sobre narrativas escritas e a música em sua sociedade. O objetivo da conversa é determinar estilo, forma e conteúdo das narrativas escritas, com embasamento em valores morais e em bons costumes, de forma que tais expressões artísticas exerçam papel útil sobre os indivíduos, e não incitem a baixeza, a insolência, a insânia, entre outros atos e sentimentos considerados nocivos e inúteis.

Platão utiliza trechos da Ilíada como exemplos de narrativas por imitação, ilustrando o estilo adotado por Homero para convencer o leitor de que o conteúdo da narrativa não é proferido pelo autor, mas pelos próprios personagens dialogando uns com os outros, como acontece na tragédia e na comédia.
Em contraposição ao estilo imitativo, Platão mostra como seria se o recurso narrativo usado pelo poeta fosse a exposição simples, quando o autor apenas relata os acontecimentos, sem dar voz aos personagens. Segundo Platão, é desse modo, sem nenhuma imitação, que acontece a mais simples forma de narração.

Tendo descrito os dois estilos — imitativo e expositivo, Platão indaga seu interlocutor sobre qual dos dois deveria ser permitido aos poetas. Ao que o segundo reduz a questão a: "Devemos ou não permitir em nossa cidade a tragédia e a comédia?"
Não respondendo diretamente à pergunta de Adimanto, Platão afirma que é impossível a qualquer pessoa imitar bem muitas coisas ou fazer as próprias coisas que a imitação reproduz. Ao passo que, quando um indivíduo imita algo "desde a meninice", e prolonga tal imitação por muito tempo, é criado um hábito que se torna uma segunda natureza, passando para o corpo, para a voz e para a própria inteligência.

Assim, Platão diz que, para que os jovens se tornem cidadãos de bem, é inadmissível que os mesmos imitem pessoas do sexo oposto, tanto novas quanto velhas, nem escravos ou escravas, tampouco indivíduos maus e pusilânimes, que trocam insultos, zombam uns dos outros e degradam seus companheiros e a si mesmos.
Contudo, Platão acredita que quando um indivíduo equilibrado tem de reproduzir no decurso de sua narrativa algum dito ou gesto de outro homem de bem, não há vergonha no ato de imitá-lo. E que o mesmo pode reservar o direito de imitar uma pessoa inferior apenas de passagem, numa ou noutra ação meritória mas, ainda assim, envergonhando-se.
Segundo Platão, o poeta ou contador de histórias deve adotar um modo de narração [forma] em discursos e fábulas semelhante ao de Homero, utilizando os dois processos em sua exposição: a imitação e a narração simples. Porém, a imitação deve ocupar parte mínima numa narrativa longa. Além disso, sua exposição deve copiar os modelos que Platão estabelece por lei [conteúdo].

Em seguida, Platão passa a abordar o canto e a melodia. E logo ele divide a canção em três componentes: texto, melodia e ritmo.
Sobre texto, é assunto já resolvido na primeira parte do diálogo: "Não há diferença entre as palavras cantadas e as não cantadas, pois, de qualquer modo, todas terão de ser enunciadas segundo os princípios de que já tratamos, não é verdade?"
Já ritmo e a melodia devem acompanhar as palavras. Portanto as harmonias tristes e moles, e a embriaguez, são inúteis para homens, guerreiros e "até mesmo mulheres". Sobrando apenas a harmonia útil para o sujeito se comportar virilmente na guerra ou em qualquer situação difícil e também a harmonia apropriada para tempos de paz, na execução de qualquer ato espontâneo e não violento.
Como a execução de tais harmonias é simples e requer poucos tons, Platão expurga todos os instrumentos que possuem muitas cordas e que são capazes de todas as tonalidades. Defendendo a ideia de que não é preciso sustentar fabricantes de triângulos e de harpas ou de qualquer instrumento capaz de todas as harmonias. Com isto, ele admite como instrumentos para uso na cidade apenas a lira e a cítara, e, para os pastores do campo, uma espécie de flauta de Pan.
Em relação ao ritmo, Platão procura evitar qualquer movimento que indique baixeza, insolência, insânia e outras variedades. Restringindo-se a ritmos reservados as qualidades contrárias.
Contudo, Platão sugere que toda esta vigilância seja aplicada apenas aos poetas, para obrigá-los a só apresentar em suas composições modelos de bons costumes.

Por fim, é feita uma reflexão sobre o papel da música na educação dos jovens e nos sentimentos que a mesma deve incitar em suas almas. Lembrando que o prazer maior e mais violento é o prazer do amor.

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Questão sobre A Crítica do Juízo

O julgamento do belo é próprio de cada um, é subjetivo e particular. Mas, se julgo que algo é belo, pressuponho que o meu juízo é também universal e objetivo.

Como Kant resolve essa contradição?


Kant acredita que o belo é objeto da complacência independente de interesse, fundamentada em faculdades de conhecimento. Portanto, para que um indivíduo contemple o belo universal e objetivo, é necessário que o mesmo experimente uma satisfação pura e desinteressada (complacente) ao deparar-se com um objeto, a partir de uma simples reflexão. Contudo, a contradição citada no enunciado reside no fato de que tal sensação é limitada ao indivíduo, portanto calcada em um juízo particular.

Kant procura resolver a questão tratando da “comunicabilidade do juízo de gosto”. Esta comunicabilidade pressupõe que o agradável pode ter unanimidade sob regras gerais empíricas:
“Em qualquer um, este prazer necessariamente tem que assentar sobre idênticas proporções, porque elas são condições subjetivas da possibilidade de um conhecimento em geral, e a proporção destas faculdades de conhecimento, que é requerida para o gosto, também é requerida para o são e comum entendimento que se pode pressupor em qualquer um. Justamente por isso também aquele que julga com gosto pode imputar a qualquer outro a conformidade a fins subjetiva, isto é, a sua complacência no objeto, a admitir o seu sentimento como universalmente comunicável e na verdade sem mediação de conceitos.”

A comunicabilidade da sensação de prazer particular do belo indica a universalidade de tal beleza. Esta comunicabilidade depende de fatores como "uma proporção das faculdades de conhecimento requeridas para o gosto, que se pode pressupor em qualquer um". Quando experimento uma "satisfação complacente" ao observar um objeto, presumo que todos os que possuem "faculdades de conhecimento requeridas para o gosto" sintam o mesmo, tornando tal beleza universalmente comunicável e objetiva.

domingo, 27 de outubro de 2013

Questão sobre O Manifesto Comunista, de Marx e Engels

No célebre Manifesto comunista Marx e Engels procuram definir o comunismo e sua função. A partir de argumentos extraídos do texto, discorra brevemente sobre essa definição.

No Manifesto do Partido Comunista, Marx e Engels constroem argumentos a fim de justificar a existência e necessidade do comunismo, bem como formalizam diretrizes para um Estado implantar este modelo social.
A grande maioria dos argumentos e motivações pró comunismo é calcada nas enormes diferenças sociais entre as principais classes da sociedade: burguesia e proletariado. Bem como na crítica à insustentabilidade do modelo vigente, como podemos observar no seguinte trecho:

"A condição essencial para a existência e para a dominação da classe burguesa é a acumulação da riqueza nas mãos de privados, a formação e multiplicação do capital; a condição do capital é o trabalho assalariado. O trabalho assalariado repousa exclusivamente na concorrência entre os operários. O progresso da indústria, de que a burguesia é portadora, involuntária e sem resistência, coloca no lugar do isolamento dos operários pela concorrência a sua união revolucionária pela associação. Com o desenvolvimento da grande indústria é retirada debaixo dos pés da burguesia a própria base sobre que ela produz e se apropria dos produtos. Ela produz, antes do mais, o seu próprio coveiro. O seu declínio e a vitória do proletariado são igualmente inevitáveis."
Os autores colocam o comunismo como um conceito universal que permeia todos os partidos proletários. Unificando a classe sob uma mesma "bandeira":
"Os comunistas diferenciam-se dos demais partidos proletários apenas pelo facto de que, por um lado, nas diversas lutas nacionais dos proletários eles acentuam e fazem valer os interesses comuns, independentes da nacionalidade, do proletariado todo, e pelo facto de que, por outro lado, nos diversos estádios de desenvolvimento por que a luta entre o proletariado e a burguesia passa, representam sempre o interesse do movimento total."
Engels e Marx
A essência do comunismo, i.e. a idéia central para mitigar as diferenças sociais do capitalismo, consiste em abolir a propriedade privada burguesa. Em prol da transformação do capital em propriedade comunitária:
"O que distingue o comunismo não é a abolição da propriedade em geral, mas a abolição da propriedade burguesa.Se, portanto, o capital é transformado em propriedade comunitária, pertencente a todos os membros da sociedade, a propriedade pessoal não se transforma então em propriedade social. Só se transforma o carácter social da propriedade. Perde o seu carácter de classe."
Além disso, a proibição do acúmulo de capital nas mãos de uma parcela minoritária da sociedade traz o fim da exploração que a burguesia exerce sobre o proletariado e cria uma distribuição de propriedades mais justa.
"Na sociedade burguesa o trabalho vivo é apenas um meio para multiplicar o trabalho acumulado. Na sociedade comunista o trabalho acumulado é apenas um meio para ampliar, enriquecer, promover o processo da vida dos operários.
Horrorizais-vos por querermos suprimir a propriedade privada. Mas na vossa sociedade existente, a propriedade privada está suprimida para nove décimos dos seus membros; ela existe precisamente pelo facto de não existir para nove décimos. Censurais-nos, portanto, por querermos suprimir uma propriedade que pressupõe como condição necessária que a imensa maioria da sociedade não possua propriedade."
Por fim, os autores citam, de modo geral, ações que um Estado moderno pode tomar para implantar o comunismo em sua sociedade:
"O proletariado usará a sua dominação política para arrancar a pouco e pouco todo o capital à burguesia, para centralizar todos os instrumentos de produção na mão do Estado, i. é, do proletariado organizado como classe dominante, e para multiplicar o mais rapidamente possível a massa das forças de produção.
  1. Expropriação da propriedade fundiária e emprego das rendas fundiárias para despesas do Estado.
  2. Pesado imposto progressivo.
  3. Abolição do direito de herança.
  4. Confiscação da propriedade de todos os emigrantes e rebeldes.
  5. Centralização do crédito nas mãos do Estado, através de um banco nacional com capital de Estado e monopólio exclusivo.
  6. Centralização do sistema de transportes nas mãos do Estado.
  7. Multiplicação das fábricas nacionais, dos instrumentos de produção, arroteamento e melhoramento dos terrenos de acordo com um plano comunitário.
  8. Obrigatoriedade do trabalho para todos, instituição de exércitos industriais, em especial para a agricultura.
  9. Unificação da exploração da agricultura e da indústria, actuação com vista à eliminação gradual da diferença entre cidade e campo.
  10. Educação pública e gratuita de todas as crianças. Eliminação do trabalho das crianças nas fábricas na sua forma hodierna. Unificação da educação com a produção material, etc."

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Questão sobre Uma Modesta Proposta, de Jonathan Swift

Minha "modesta proposta" para esta questão é a seguinte: aponte e analise algumas marcas de ironia no famosíssimo panfleto de Swift. São justamente essas marcas que nos convidam a ler um texto como esse de modo não literal e que fazem com que Swift seja, ao invés de um potencial "homicida", na realidade um crítico social.

Após a leitura do panfleto, é difícil apontar apenas algumas marcas de ironia, uma vez que ela predomina no texto, a ponto de fazer o leitor pensar que na verdade a maioria dos argumentos apresentados são diametralmente opostos ao que o autor realmente acredita. 
A "Modesta Proposta", contida no panfleto satírico de Jonathan Swift, é calcada em uma forte crítica à sociedade irlandesa do século XVIII, denunciando a enorme diferença social entre os grupos que compunham aquela população.
Jonathan Swift propõe, como uma solução para o problema do excesso de crianças pobres e famintas nas ruas, que os irlandeses adotem em sua dieta carne de crianças de 1 ano:

"UM Americano muito sabido, do meu Conhecimento em Londres, assegurou-me que uma Criancinha sadia e bem criada é, com um Ano de idade, o Alimento mais delicioso, nutritivo e benéfico que existe, seja Cozida, Grelhada, Assada ou Ferventada; e não duvido que sirva igualmente para um Fricassê ou um Ragu."
Seus argumentos são construídos através de pensamentos lógicos e cálculos frios, ignorando quaisquer questões morais decorrentes do hábito alimentar proposto, colocando-as sutilmente como contraponto aos valores morais dos grandes proprietários de terra e das pessoas abastadas que concentram os recursos que tanto faltam aos pobres:

"SUGIRO pois humildemente à Consideração pública que, das Cento e Vinte Mil Crianças já computadas, Vinte mil sejam reservadas para Procriação; sendo, dessas, só uma Quarta Parte de Machos, o que é mais do que permitimos a Carneiros, Touros, ou Porcos; e a minha Razão é que tais crianças raramente são Frutos de Casamento, Circunstância não muito apreciada pelos nossos Selvagens; por conseguinte, um Macho será suficiente para atender a quatro Fêmeas. Para as Cem mil restantes, com um Ano de idade, possam ser oferecidas à Venda a Pessoas de Qualidade e Fortuna, por todo o Reino; ..."
"... CERTAS Pessoas de Espírito desalentado acham-se em grande Preocupação quanto ao vasto Número de Gente pobre que está Velha, Doente ou Aleijada; e fui solicitado a concentrar meu Pensamento em Medidas que pudessem ser tomadas para aliviar a Nação de tão aflitivo Estorvo. Nenhum Transtorno porém esse Problema me causa; porque é bem sabido que Dia a Dia eles estão apodrecendo e morrendo, seja de Frio e Fome, seja por Imundície e Pragas, com toda a rapidez que é lícito esperar."
Jonathan Swift
O Autor, que era cristão, ironicamente aponta sua proposta como uma solução para reduzir a quantidade de "perigosos inimigos" papistas:

"POIS, Primeiramente, como eu já observei, assim se diminuiria enormemente o Número de Papistas que de ano para ano nos assolam, sendo os principais Reprodutores da Nação, bem como os nossos mais perigosos Inimigos; e que aqui ficam de Propósito, com o Desígnio de entregar o Reino ao Pretendente, esperando tirar Proveito da Ausência de tantos bons Protestantes que preferiram abandonar o País a permanecer em casa e pagar Dízimos, contra a sua Consciência, a um Clero Episcopal idólatra."
No trecho seguinte, mais uma crítica a grande diferença social entre os rendeiros e seu Senhorio, supostamente solucionada pela proposta:

"SEGUNDAMENTE, os Rendeiros mais pobres terão algo valioso de seu [ao vender suas crianças] que, por Lei, poderá ser utilizado, em caso de Desgraça, para ajudar a pagar o Arrendamento ao seu Senhorio; pois que o Trigo e o Gado já lhes foram confiscador, e o Dinheiro é coisa que eles nem conhecem"
Por fim, em mais um comentário satírico, Swift diz que infelizmente não poderá se beneficiar de seu plano, caso a proposta seja aceita:

"Não tenho Filhos pelos quais eu me possa habilitar a ganhar sequer um Vintém; o mais novo já está com nove Anos e a minha Esposa passou da idade de ser Mãe."

Questão sobre O Paraíso Perdido, de John Milton

No Canto IV de Paradise Lost o poeta John Milton apresenta a figura de Satã de modo particularmente complexo. Delineie, brevemente, a partir da leitura do canto, o perfil dessa personagem, justificando a resposta por meio do comentário à algumas passagens do poema.

Satã é retratado no texto como um ser que vive em profunda desgraça, muito confuso e vivendo um grande remorso pelo castigo que recebeu:

"O horror medonho, a dúvida terrível,Confundem-lhe os turbados pensamentosQue lhe acendem o Inferno dentro d’alma:O Inferno traz em si, de si em torno;Não pode um passo dar fora do Inferno,Porque, onde quer que vá, leva-o consigo!Remordida a consciência lhe despertaA desesperação que dormitava;Desperta-lhe a lembrança desabridaDo muito que já foi, do que é agora,Do que há de ser, a pior sempre indo tudo:Crescendo as obras más, cresce o castigo."
Satã demonstra aborrecimento ao voltar-se para o Sol e recordar do paraíso de onde foi banido.

"Porém sim articulo, ó Sol, teu nomePara te assegurar quanto aborreçoTua luz que à lembrança me recordaO ledo estado de que fui banido!"
Mesmo tão amargurado, é interessante observar, a partir do trecho seguinte, que Satã se arrepende de sua desgraça e de certo modo põe culpa em Deus por ter lhe dados muitos poderes, incitando sua ambição e ganância. Sentimentos que acabaram lhe custando caro.

"Onde há ônus aqui? Feliz eu fora,Se o poderoso Deus me houvesse feitoDe inferior jerarquia um simples anjo!Assim nunca esperança desmedidaMe ateara da ambição o horrendo fogo!"
Contudo, Satã é muito orgulhoso, e mesmo sentindo algo parecido com arrependimento, jamais pediria perdão e voltaria a ser submisso a Deus.

"Ai de mim! que afinal ceder me cumpre!E como hei de mostrar que me arrependo?Por que modo o perdão obter eu posso?Só pela submissão... Palavra horrível!Meu nobre orgulho atira-te bem longe,Repele-te a vergonha que eu sentira."
Por fim, mesmo considerando a hipótese de voltar ao seu estado original, Satã aceita sua própria natureza como imutável, e assume que não teria grandeza neste cenário.

"Inda mais: — se eu pudesse arrepender-meOu, por decreto da divina graça,Alcançar meu estado primitivo,Logo essa elevação em mim ergueraPensamentos de orgulho que anulassemQuanto jurara submissão fingida:Anularia a prístina grandeza"

Questão sobre o Discurso do Método, de René Descartes

No Discurso do Método Descartes, em busca do método ideal, selecionou, a certa altura, apenas quatro preceitos de Lógica. Quais são eles? Em que medida você acha que podem ser relacionados a uma "perspectiva racional sobre o mundo"? Justifique sua resposta com algumas ideias extraídas do texto. 

Descartes escolheu os seguintes preceitos lógicos para seu método:
  1. Nunca aceitar coisa alguma como verdadeira sem que a conhecesse evidentemente como tal; ou seja, evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção, e não incluir em meus juízos nada além daquilo que se apresentasse tão clara e distintamente a meu espírito, que eu não tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida.
  2. Dividir cada uma das dificuldades que examinasse em tantas parcelas quantas fosse possível e necessário para melhor resolvê-las.
  3. Conduzir por ordem os pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais compostos; e supondo certa ordem mesmo entre aqueles que não se precedem naturalmente uns aos outros.
  4. Fazer em tudo enumerações tão completas, e revisões tão gerais, que se tenha certeza de nada omitir.
Os preceitos estão fortemente ligados a uma visão racional sobre o mundo, uma vez que Descartes acredita que apenas pela razão é possível obter verdades sobre todas as coisas a fim de aumentar seu conhecimento de forma consistente. Por isso, ele extraiu tais preceitos da lógica, da geometria e da álgebra.
René Descartes
É interessante observar que Descartes constrói as ideias que o ajudam a eleger tais preceitos para seu método com base em observações que o levam a duvidar de conceitos e opiniões comuns existentes quando os mesmos não são sustentados por provas univocamente verificáveis. Como é possível interpretar em trechos como o seguinte:
"Pois parecia-me que poderia encontrar muito mais verdade nos raciocínios que cada qual faz sobre os assuntos que lhe dizem respeito, e cujo desfecho deve puni-lo logo depois, se julgou mal, do que naqueles que um homem de letras faz em seu gabinete, sobre especulações que não produzem nenhum efeito, e que não terão outra consequência a não ser, talvez, a de que extrairá delas tanto mais vaidade quanto mais afastadas estiverem do senso comum, pelo fato de ter tido de empregar tanto mais espírito e artifício para torná-las verossímeis."
Além disso, Descartes também relata que mesmo tendo olhado para outras ciências cultivadas por "excelentes espíritos", não encontrou o que buscava:
"Nada direi da filosofia, a não ser que, vendo que foi cultivada pelos mais excelentes espíritos que viveram desde há vários séculos, e que, não obstante, nela não se encontra coisa alguma sobre a qual não se discuta e, por conseguinte, não seja duvidosa, eu não tinha tanta presunção para esperar me sair melhor do que os outros; e que, considerando quantas opiniões diversas pode haver sobre uma mesma matéria, todas sustentadas por pessoas doutas, sem que jamais possa haver mais de uma que seja verdadeira, eu reputava quase como falso tudo o que era apenas verossímil."
Entre esses [pensamentos], um dos primeiros foi a consideração de que frequentemente não há tanta perfeição nas obras compostas de várias peças, e feitas pelas mãos de vários mestres, como naquelas em que apenas um trabalhou.

Questão sobre os Sonetos Luxuriosos, de Pietro Aretino

Sobre os sonetos contidos neste livro literalmente "maldito", escreve José Paulo Paes, tradutor da edição brasileira que acabamos de ler, o seguinte: "Neste sentido, quer pela crueza da linguagem, quer pela carnalidade de sua temática, os sonetos aretinianos podem ser considerados o avesso da poesia culta de sua época, a qual [...] recebera de Dante e de Petrarca o gosto pela divinização da mulher [...]" (PAES, José Paulo. Uma retórica do orgasmo. In: ARETINO, Pietro. Sonetos Luxuriosos. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p. 32-33). Desenvolva, através de comentários próprios e de exemplos tirados dos sonetos de Aretino, essa hipótese apresentada por Paes. 

Os versos de Aretino validam amplamente a hipótese apresentada pelo tradutor. Ao abordar uma temática extremamente carnal, em um texto descritivo, o autor faz bom uso de linguagem crua e direta, apesar de usar, por vezes, rimas pobres como a formada pelas palavras "nabo" e "rabo".
Ao descrever explicitamente um modo de vida libertino, criando uma ode ao sexo, Aretino fatalmente quebra o paradigma de divinização da mulher, que aqui deixa de ser intocável e tem suas partes erógenas citadas e à exaustão:

"Que notável prazer não tereis tido
De ver a cona ou o cu nessa apertura,
Em modos incomuns de ser fodido.
...
Na cona hei de foder-te boa data
De vezes, pois em cona ou cu entrando,
O pau faz-me feliz e a ti beata."