quinta-feira, 25 de abril de 2013

VOCÊ ESTÁ AQUI

Semana passada, como atividade proposta para disciplina de Fundamentos das Artes Visuais, ministrada pela Professora Elida Tessler, visitei pela primeira vez o Estúdio Galeria Mamute, surpreendentemente a umas duas quadras da minha casa, no centro de Porto Alegre.
Lá estava em exposição uma mostra de Daniel Escobar: "você está aqui". Com curadoria de Bernardo José de Souza.

Ao chegar fui muito bem recebido pela diretora do estúdio, Niura Borges. Simpática e atenciosa, contou um pouco sobre a história do lugar, que já funciona neste local há cerca de 2 anos, promovendo exposições de arte, mostras audiovisuais, cursos, palestras, intercâmbios e residência artística. Feito isso, tivemos uma breve conversa sobre a mostra ali exposta antes dela se retirar rumo ao escritório situado aos fundos da galeria.

- A mostra -

A disposição e tamanho das salas do estúdio, bem como o fato das mesmas estarem em um prédio antigo (aqueles do centro com arquitetura portuguesa do fim do século XIX, início do XX) tornam o ambiente aconchegante e proporciona contato próximo com as obras. Lá estavam acomodadas as 5 que integram a mostra.

A primeira obra que observei chama-se "Permeável XXV (Perto Demais)". Trata-se de um cartaz composto por diversas camadas resultantes da colagem e sobreposição de fragmentos de outdoors doados por empresas colaboradoras, que recebem a interferência de pequenos furos, produzidos com um perfurador de escritório. Vi representado nesse quadro uma síntese do aglomerado de informações visuais que recebemos passivamente todos os dias no espaço urbano. Também acho que a "permeabilidade" que os furos atribuíram à imagem (ou às imagens) remete à efemeridade de tais informações, ao mesmo tempo que confere um tom misterioso à informação resultante da soma das demais.
Permeável XXV (Perto Demais), 2012. Foto: Márcio Oliveira
Próxima à Permeável XXV, estava a "Scrollbar", composta por fitas adesivas sobre uma das paredes da sala. A imagem é o resultado direto de uma projeção do entorno do centro de Porto Alegre obtido no Google Maps. Me chamou a atenção o detalhe da fita vermelha, posicionada no ponto do mapa onde está o estúdio, como se estivesse me passando a mensagem que sempre procuramos em um mapa quando estamos perdidos: "Você está aqui". 
Scrollbar, 2013. Foto: Márcio Oliveira
A transição da primeira para a segunda sala é guiada por uma parte da instalação que compõe a terceira obra: "Continuous". Composta por tiras de papel branco que saem de máquinas fragmentadoras de ferro alimentadas por bobinas. No centro, as tiras vindas de diferentes direções formam um entrelaçado de linhas horizontais, verticais e diagonais que remontam as vias urbanas da parte planejada da cidade de Belo Horizonte. A exatidão e simetria das ruas bem construídas entra em contraste com a confusão das tiras de papel que as dão origem. O próximo passo seria transferir a rigidez arquitetônica do centro para as tortuosas vias periféricas ou inserir uma dose de "caos" na parte planejada?
Continuous, 2012. Foto: Márcio Oliveira
Em uma das paredes vizinhas à obra "Continuous" estavam 3 quadrinhos que formam o "Atlas de Anatomia Urbana". Mais uma vez inspirado em Belo Horizonte, estão expostos guias turísticos da cidade, com recortes que davam um caráter de escultura aos livros a partir de uma "excavação" das páginas. O resultado imediato é a revelação dos cruzamentos entre os mapas das diferentes regiões da capital mineira.
Atlas de Anatomia Urbana, 2012. Foto: Márcio Oliveira
Por último, em um quartinho no fim da galeria, intencionalmente mal iluminado, estava exposta sobre uma mesa a obra "The World". Uma série de guias turísticos de diversos países (França, Inglaterra, México, Italia, Cuba, Mongolia e EUA) abertos sobre uma mesa de madeira. A colagem de imagens retiradas dos próprios guias de forma vertical sobre eles deram um efeito muito legal. Um novo conceito em guias turísticos, tipo aqueles livros pop-up.
Guia turístico da Itália. The World, 2011. Foto: Márcio Oliveira
Guia turístico de Pequim. The World, 2011. Foto: Márcio Oliveira
Ao me despedir da mostra, da Niura e da galeria, concluí que uma das mensagens que a mostra transmite é: Você está aqui. Aqui no centro de Porto Alegre, no espaço urbano, na cidade, no mundo, dinâmico, vivo, movediço, em constante evolução e que merece ser explorado.

Como proposto pela Professora Elida, segue minha pergunta para o Daniel Escobar: Daniel, percebi uma sequência lógica dada pela ordem de apresentação das obras: Porto Alegre (o lar de origem), Belo Horizonte (mudança para cidade maior e distante de casa) e mundo (estágio mais avançado desta libertação e desprendimento). O quarto que representa o mundo ainda é pequeno e mal iluminado (um ambiente até um pouco onírico). Algum dia pretendes fazer o caminho inverso, em ordem e tamanho?

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Comentário sobre a conversa filosófica entre Krishna e Arjuna em Bhagavad Gita

Arjuna está diante de seus parentes, situados no lado oposto do campo de batalha. Paralisado, ele ouve os conselhos de Krishna, o Ser Supremo que, na batalha, conduz seu carro. Arjuna não quer, em um primeiro momento, matar seus parentes. Que argumentos Krishna evocará para dissuadi-lo?

Quando a batalha está prestes a ter início, Arjuna pede a Krishna que o carro onde eles estão seja elevado até um ponto intermediário entre os dois lados do campo de batalha (kurus [lado oposto] e pândavas [lado que Arjuna defende]), a fim de que seja possível ver os rostos das pessoas contra as quais ele irá lutar e, provavelmente, matar.

Krishna atende ao pedido de Arjuna e, ao avistar os guerreiros inimigos, ele percebe que ali estão seu pais, irmãos, amigos e mestres. Neste momento, Arjuna demonstra grande aflição e se encontra desmotivado para o combate: "E quando Arjuna viu isso, entristeceu-se no seu nobre coração e, cheio de aflição e dó, proferiu estas palavras: Ó Senhor, vendo eu as faces e os vultos dos parentes que querem lutar uns contra os outros, sinto exaustos de forças meus membros e sem sangue meu coração.". Ainda, Arjuna deixa claro que seus parentes o querem morto e, caso ele vença a batalha, sua recompensa será grandiosa: "…não quero matá-los, embora eles tenham sede do meu Sangue! Embora, com isso, obtivesse o reino dos três mundos."
Arjuna em seu carro guiado por Krishna entre Kurus e Pândavas
Aqui, é interessante observar as metáforas associadas a alguns elementos presentes. A área intermediária do campo de batalha, onde Krishna leva o carro de Arjuna, é interpretada como Antaskârana: A "ponte" ou "caminho" entre a parte terrena e divina da mente. Assim, podemos atribuir os Kurus (liderados por Brishma, que representa o egoísmo e a obstinação) à parte terrena, e os Pândava (que obedecem à vontade divina) à parte divina da mente. O que pode nos levar a supor que o campo de batalha seja uma representação abstrata da mente de Arjuna, e que o conflito iminente de fato seja algo pelo qual o jovem está passando internamente durante o processo de busca pelo seu Ser Real, conceito explicado por Krishna mais tarde. Ainda, o carro de Arjuna é conduzido por um cavalo branco, marca de coragem, obediência e pureza, e em sua cimeira figura um macaco, tomado como símbolo da audácia e da engenhosidade, sugerindo que Arjuna seja um homem jovem em desenvolvimento.

Arjuna vê parentes, amigos e mestres do outro lado do campo de batalha como 'inimigos', pois, considerando o campo de batalha como sua mente, estas pessoas são degraus pelos quais ele deve subir para obter o conhecimento perfeito de si mesmo.
Estátua de Arjuna em Bali, Indonesia

Ao ver Arjuna entristecido e sem forças para lutar, Krishna o diz que "o homem cheio de medo e dúvidas afasta-se por si mesmo do céu e da bem-aventurança, que é próprio à alma que conhece a verdade.". A entidade quer dissuadi-lo da ideia de desistir da batalha e encorajá-lo a lutar e vencer. Para isso, expõe uma série de argumentos filosóficos do hinduísmo (doutrina Sankya), a fim de abrir os olhos de seu interlocutor e ensiná-lo que "os sábios não se entristecem nem por causa dos vivos nem por causa dos mortos".

A conversa que se segue é reveladora. Krishna passa ensinamentos sobre a alma, que é imperecível e indiferente ao estado do corpo material que habita. E que as experiências sensoriais físicas (como prazer e dor), por estarem inexoravelmente ligadas ao corpo material (Ser Irreal), são efêmeras e irrelevantes quando comparadas a constância e eternidade da alma (Ser Real), "o homem que não se deixa mais atormentar por essas coisas, - que se conserva firme e inabalável no meio do prazer e da dor, - que possui a verdadeira igualdade de ânimo: esse, crê-me, entrou no caminho que conduz à imortalidade."

Portanto, seria presunção de Arjuna pensar que é capaz de matar alguém, já que o Ser Real é indestrutível e imperecível. Ninguém pode exterminá-lo: "Aquele que pensa, em sua ignorância: 'Eu mato' ou 'Eu serei morto', procede como criança que não tem conhecimento da verdade, porque o que É na realidade, é eterno, e o Eterno não pode matar nem ser morto. Conhece esta verdade ó príncipe! O Homem real, isto é, o Espírito do homem, não nasce nem morre. Inato, imortal, perpétuo e eterno, sempre existiu e sempre existirá. O corpo pode morrer ou ser morto e destruído; porém, aquele que ocupou o corpo, permanece depois da morte deste."

Mesmo que Arjuna tenha dificuldade ou se negue a acreditar nestas palavras, Krishna o faz refletir sobre a infalibilidade da morte: "Se, porém, não crês, e pensas que nascimento e morte são coisas reais, mesmo assim te pergunto: por que te lamentas e entristeces? Em verdade, a morte deriva do nascimento, e o nascimento decorre da morte. Não te aflijas, pois, pelo inevitável."

Por fim, Krishna ainda afirma que se Arjuna desistir da luta, ele ficará envergonhado pela desonra perante seu povo. O que, para um nobre de nascimento, é pior que a morte.

domingo, 14 de abril de 2013

Relatório de visita ao Arquivo Histórico do Instituto de Artes da UFRGS

- Data da Visita -

23 de março de 2013.

- Dados do Espaço -

Nome: Arquivo Histórico do Instituto de Artes da UFRGS
Endereço: Rua Sarmento Leite 500, Sala 114, Bairro Centro Histórico, Porto Alegre.
Tipo de instituição: Arquivo Histórico

- Estrutura Física -

O arquivo é localizado nos fundos do prédio da antiga faculdade de medicina da UFRGS, no centro de Porto Alegre. A estrutura é relativamente precaria em relação a qualidade da maioria das prateleiras que acomodam os documentos. Porém, tudo parece bem organizado. O arquivo ainda dispõe de um scanner tamanho A3 para digitalização do acervo.

- Pessoal -

Atualmente o arquivo conta com uma arquivista, um técnico administrativo e dois bolsistas de iniciação científica.

- Atividades desenvolvidas -

Além de catalogar e armazenar documentos, o arquivo é responsável por manter viva a memória do IA e e das pessoas que passaram por ele. Nesse sentido, foi possível observar os esforços da arquivista Medianeira a fim de descobrir mais informações a respeito de documentos e fotos que não se sabe muito sobre. O arquivo ainda é aberto ao público para consulta de todo o material.

- Profissional que guiou a visita -

Medianeira Aparecida Pereira Goulart. Bacharel em Arquivologia pela Universidade Federal de Santa Maria, em 1993. Especialista em Gestão em Arquivos, em 2010. Arquivista na Universidade Federal do Rio Grande Do Sul. Atua nas áreas de gestão em arquivos, elaboração e desenvolvimento de projetos e sistemas de informação, memória, história e políticas de preservação e conservação de acervos.

- Assuntos abordados pela profissional -

A visita se deu na sala da arquivista Medianeira, responsável pelo arquivo. Lá ela nos recebeu e começou contando a história do IA, com muitos detalhes que já haviam sido colocados pelo prof. Paulo Gomes na visita ao instituto. No entanto, serviu como contextualização para as demais histórias sobre a constituição do arquivo, que se trata de um lugar onde muito da memória do instituto está guardado.

Medianeira relatou o descaso histórico que existiu no arquivo, com documentos, fotos e obras depositados em ambientes inapropriados, propícios a formação de mofo e suscetíveis a alagamentos, fatores que arruinaram muitos materiais. A partir deste cenário ela destacou a iniciativa decisiva para a reconstituição do arquivo realizada pelo prof. Sírio Simon.

Além da iniciativa do prof. Sírio, Medianeira nos contou com orgulho sobre suas batalhas pessoais para manter e ampliar a estrutura e os recursos físicos e humanos do arquivo, desde 2001. Batalhas que geraram várias conquistas e fizeram o arquivo hoje estar em uma situação confortável dentro da universidade.

- Fontes -

Site do Arquivo: http://www.ufrgs.br/arquivo-artes/icaatom/web/index.php/page/contato
Acessado em 5 de abril de 2013.

Relatório de visita ao Instituto de Artes da UFRGS

- Data da Visita -

16 de março de 2013.

- Dados do Espaço -

Nome: Instituto de Artes da UFRGS.
Endereço: Rua Senhor dos Passos, 248, Bairro Centro Histórico, Porto Alegre.
Tipo de instituição: Unidade acadêmica integrante da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

- Estrutura Física -

A unidade acadêmica é constituída por um prédio de 8 andares, na Rua Senhor dos Passos, Centro de Porto Alegre. Nele estão situados os departamentos de Artes Visuais, de Arte Dramática e de Música, além dos programas de pós-graduação em Música, Artes Visuais e Artes Cênicas.

- Pessoal -

Possui mais de 100 professores, 55 funcionários do corpo técnico-administrativo e cerca de 800 alunos matriculados na graduação e na pós-graduação.

- Atividades desenvolvidas -

Atualmente o Instituto de Artes funciona como uma unidade universitária da UFRGS, disponibilizando cursos de graduação, pós-graduação, pesquisa e extensão em artes visuais, dramáticas, música e história da arte. Além das atividades presenciais, também são disponibilizadas aulas à distância de licenciatura em artes visuais e música.

- Profissional que guiou a visita -

Paulo Gomes. Artista plástico, curador independente e professor na UFRGS. Mestre e Doutor em Artes Visuais – Poéticas Visuais, pela UFRGS. Desenvolve pesquisa na área de Poéticas Visuais, sobre arte contemporânea e arte no Rio Grande do Sul. Tem textos publicados em livros, revistas e jornais.

- Assuntos abordados pelo profissional -

O profissional demonstrou grande conhecimento da história do instituto e sua situação atual. Inicialmente aconteceu uma conversa em sala de aula, onde o mesmo contou sobre sua fundação em 1908 (então chamado Instituto Livre de Belas Artes), pelo médico Olinto de Oliveira. Segundo Paulo, o termo "Livre" significava que o instituto era livre de filiação estatal ou religiosa. Paulo ainda contou sobre os primeiros anos do instituto, seus professores e diretores mais importantes e de como ele foi uma das unidades acadêmicas que deram início à UPA (Universidade de Porto Alegre), em 1939. Esta integração à Universidade de Porto Alegre não durou muito tempo, devido a um suposto preconceito de cursos como engenharia e medicina para com os cursos de artes. Contudo, em 1962 o IA é integrado à UFRGS.

Paulo ainda destacou que o prédio onde estávamos teve sua construção concluída em 1943 e se tratava da obra central de um complexo de 3 prédios. O projeto original previa este prédio, com salas de aula e secretarias, e doi laterais, constituindo um teatro e um museu. Entretanto, não foi possível levantar a quantia necessária para a realização plena do projeto, e assim, apenas o prédio atual foi construído, com capital obtido através de hipotecas das casas e bens dos professores do Instituto.

Após a conversa em sala de aula sobre a história do IA, realizamos uma caminhada guiada pelas dependências do Instituto. Durante ela, nos foram apresentados os locais que antigamente acomodavam o salão de festas e o bar, locais que não existem mais devido à baixa demanda do bar e à falta de espaço para salas de aula, que fizerem o salão de festas ser extinto. Paulo destacou que o salão de festas certa feita foi "vandalizado" por alunos, que pintaram uma das paredes de preto, para supostamente deixar o ambiente mais adequado para as festas que ali ocorriam. Acontece que na parede havia um painel pintado por um dos antigos professores do instituto, perdido debaixo da tinta.

Por fim, visitamos a pinacoteca e a reserva técnica do instituto e nos despedimos do mesmo ao passar pelas moulages do Apolo de Belvedere e da Vênus de Milo que emolduram a entrada.

- Fontes -

Site do IA: http://www.ufrgs.br/artes/
Panorama Crítico: http://www.panoramacritico.com/revista/index.php/expediente
Wiki do IA: http://pt.wikipedia.org/wiki/Instituto_de_Artes_da_Universidade_Federal_do_Rio_Grande_do_Sul
Todos acessados em 5 de abril de 2013.

Comentários sobre o perfil do Sábio delineado na primeira parte de Tao Teh King, de Lao Tse

- Introdução -

A obra enfatiza em diversos momentos a figura do sábio e, de forma educativa, mostra formas de agir e pensar para que um indivíduo seja um. Estas características serão apresentadas através de comentários de capítulos que mencionam diretamente O Sábio, em uma estrutura de dois parágrafos por comentário. O primeiro com uma "transcrição do trecho relevante do capítulo" e o segundo com o respectivo comentário.
Lao Tse. AKA "Velho Mestre"

- Capítulo 2 -

"O Sábio resolve seus assuntos sem atuar e divulga seus ensinamentos sem palavras. Não nega nada à multidão. Ajuda-a, mas nada pede em troca. Faz seu trabalho, mas não lhe outorga nenhum valor. Consegue sua meta, mas não reclama o mérito.E precisamente porque não reclama méritos, ninguém pode arrebatá-los."
Aqui é feita uma menção a maneira de resolver assuntos de forma discreta e sem divulgação explícita de conhecimentos ("sem palavras") ou reivindicação de méritos após uma realização, para que justamente ninguém possa questioná-los. Vejo isso como uma forma de executar tarefas causando o menor impacto possível em assuntos que não dizem respeito apenas ao conteúdo da mesma. E sem questionamento de méritos, deixando-os no inconsciente das pessoas.

- Capítulo 3 -

"Não louvando os dotados, evitarás a rivalidade e a luta. Não dando valor a coisas difíceis de conseguir, evitarás o ataque e o roubo. Não exibindo o desejável, conseguirás que os corações das pessoas permaneçam em paz.Portanto, o governo do sábio: Esvazia o coração de desejos, enche a barriga de alimentos, enfraquece as ambições e fortalece os ossos.Desse modo consegue que o povo permaneça sem conhecimentos e sem desejos, para que os mais astutos não busquem o triunfo. Pratica a Não-Ação e governa tudo em ordem."
Aqui é introduzido o conceito da Não-Ação, em uma antítese com o verbo "praticar". A Não-Ação é praticada ao não se demonstrar interesse ou associar valor às coisas, de forma a esvaziar os corações do povo de desejos, enfraquecer-lhes as ambições e encher suas barrigas de alimentos, fortalecendo-lhes os ossos. Na minha opinião, algo parecido com a política do pão e circo, da Roma antiga.

- Capítulo 7 -

"O céu é eterno e a terra perdura. Qual é o segredo da sua longevidade? Não é por não viver para si que vivem tanto? Assim, O Sábio procura ficar atrás, mas está adiante dos demais; arrisca-se, porém, encontra-se seguro e a salvo. Não é pelo desapego de si mesmo que seu Ser pode realizar-se? Por ser desinteressado obtém seu próprio bem."
Mais uma vez, Lao Tse prega o desinteresse, o sábio deve ser uma pessoa blasé. E isso é colocado como algo que, indiretamente, traz o bem pessoal do próprio sábio, pois, ao não viver para si e ser desapegado de ações em prol de interesses pessoais, o sábio, assim como o céu e a terra, perdura e permanece seguro e a salvo.

- Capítulo 12 -

"O Sábio atende ao ventre, não ao olho. Prefere o que há em seu interior não o de fora."
Esta colocação mostra que o sábio pensa de forma consistente com suas ações. Não dá valor, não demonstra interesse nem sentimentos, não reivindica méritos. O interessante é a intenção genuína e essencial que está situada no ventre e não é perceptível aos olhos.

- Capítulo 17 -

"O melhor dirigente é aquele cuja existência passa quase desapercebida por entre o povo. Depois ao que amam e veneram. Depois ao que temem. Depois ao que depreciam e desafiam.Quando tu estás falto de fé, outros perdem a fé em ti.O sábio procura passar despercebido e é parco em palavras. Quando ele consegue seu objetivo e tudo terminou, as pessoas dizem: Nós conseguimos!"
Aqui aparecem características importantes de liderança inerentes ao sábio. Um verdadeiro líder deve fazer com que seu povo se sinta parte realizadora dos objetivos traçados por ele mesmo, quando os mesmos são alcançados. O sábio tem essa capacidade.

- Capítulo 20 -

"Todos os homem tem o que necessitam mais, são brilhantes e agudos. Só eu aparento não ter nada, sou obscuro e silencioso, que estúpido sou!Todos os homens descansam em suas tumbas: Só eu persisto em permanecer fora. Entretanto, o que me diferencia dos demais, é que aprecio a Mãe que me nutre!"
Aqui, como no capítulo 12, é feita uma valorização da importância da essência de cada indivíduo. E mostra, de forma irônica ("que estúpido sou!") que demonstrar posses, brilho e aparente sagacidade, é irrelevante para se ter harmonia com sua própria essência e valores ("a Mãe que me nutre").

- Capítulo 22 -

"Portanto, o Sábio abraça a Unidade e converte-se em modelo para tudo que há sob o Céu. Destaca-se, porque não se exibe."
De forma conclusiva, Lao Tse nos diz que o sábio, por seguir tudo que foi exposto até então, acaba se destacando como um modelo para tudo que habita a Terra.

A Epopeia de Gilgamesh. Uma análise sobre a inter-relação entre vida civilizada e vida selvagem

- Vida civilizada -

O principal cenário onde se dá a vida civilizada é a cidade de Uruk, situada na antiga Mesopotâmia. À época em que a civilização Suméria habitava a região, entre 2500 e 3000 AC. O texto deixa claro que Gilgamesh fez questão de construir grandes fortificações militares ao redor da cidade (muralhas e grandes baluartes), provavelmente como uma forma de afirmar sua imagem de poder implacável, tanto externamente quanto para seu próprio povo. Uma vez que todos o temiam, respeitavam e reconheciam como um semideus, virtualmente imbatível. Além disso, a cidade ainda contava com belos templos para culto aos deuses Eanna, Anu e Ishtar, ostentando obras arquitetônicas das quais "não é possível para um homem ou rei construir algo que se equipare", como podemos observar no parágrafo que segue:
"Em Uruk ele construiu muralhas, grandes baluartes, e o abençoado templo de Eanna, consagrado a Anu, o deus do firmamento, e a Ishtar, a deusa do amor. Olhai-o ainda hoje: a parte exterior, por onde corre a cornija, tem o brilho do cobre; sua parte interior não conhece rival. Tocai a soleira, ela é antiga. Aproximai-vos de Eanna, a morada de Ishtar, nossa senhora do amor e da guerra: é inigualável, não há homem ou rei que possa construir algo que se equipare."
Poder de luta de Gilgamesh: Over 9000.
É possível observar alguns aspectos preconizados pela vida civilizada daquele povo, como a divisão formal e hierárquica de papéis, que gera a total submissão das pessoas a um rei que se aproveita de seu poder para possuir todas as virgens, filhas e esposas de Uruk, de forma luxuriosa. Como mostra o seguinte parágrafo:
"Não há pai a quem tenha sobrado um filho, pois Gilgamesh os leva todos, até mesmo as crianças; e, no entanto, um rei deveria ser um pastor para seu povo. Sua luxúria não poupa uma só virgem para seu amado; nem a filha do guerreiro nem a mulher do nobre; no entanto, é este o pastor da cidade, sábio, belo e resoluto."

- Vida selvagem -

Se Gilgamesh é o representante da vida civilizada, a narrativa traz no personagem Enkidu a figura do homem selvagem, que não foi contaminado pela sociedade e seus costumes e, por conseguinte, é uma pessoa pura e inocente, em constante contato e harmonia com os animais e a natureza. Contudo, o nascimento de Enkidu, a exemplo do de Gilgamesh, é dado sob circunstâncias divinas. O que o faz um semideus, teoricamente tão forte quanto o rei.

O parágrafo a seguir mostra a relação serena e inocente de Enkidu com a natureza:
"Seu corpo era rústico, seus cabelos como os de uma mulher; elesondulavam como o cabelo de Nisaba, a deusa dos grãos. Ele tinha o corpo coberto por pêlos emaranhados, como os de Samuqan, o deus do gado. Ele era inocente a respeito do homem e nada conhecia do cultivo da terra. Enkidu comia grama nas colinas junto com as gazelas e rondava os poços de água com os animais da floresta; junto com os rebanhos de animais de caça, ele se alegrava com a água."
Retrato falado de Enkidu 

- Convivência entre ambas -

Fica claro que e a forma de trazer um homem selvagem à vida civilizada, na história contada, é apresentá-lo aos prazeres carnais do sexo. Quando um caçador fica sabendo da existência de Enkidu, um ser provavelmente tão forte quanto Gilgamesh mas que vive recluso na selva, ordena que seu filho vá a Uruk e volte com uma rameira, uma "filha do prazer", incumbida com a missão de introduzir Enkidu à vida civilizada, através de sua arte.

Caçador para o filho: "Vai a Uruk, encontra Gilgamesh e exalta-lhe a força deste selvagem. Pede-lhe que te arranje uma rameira, uma dissoluta do templo do amor; retorna com ela e deixa que seu poder subjugue este homem. Da próxima vez que ele descer para tomar água no poço, ela estará lá, nua; e quando a vir, acenando para ele, vai abraçá-la, e os animais da selva passarão a repudiá-lo."

Gilgamesh diz: "Filho do Caçador, volta, leva contigo uma rameira, uma filha do prazer. No poço ela se desnudará; ao vê-la acenando, ele a tomará em seus braços e os animais da selva certamente passarão a repudiá-lo."

Com a consumação do ato sexual, Enkidu está adentrando a vida civilizada dos Sumérios de forma resoluta ("Por seis dias e sete noites eles ali ficaram deitados, pois Enkidu se esquecera de seu lar nas colinas."). Feito isso, simbolicamente os animais passam a repudiá-lo ele já não mais parece fazer parte da selva ("...depois de satisfeito, porém, ele voltou para os animais selvagens. Mas agora, ao vê-lo, as gazelas punham- se em disparada.")

A convivência entre sociedade civilizada e selvagem, no texto, parece muito difícil, uma vez que o homem selvagem precisa deixar de sê-lo para se relacionar com o homem civilizado. Além disso, aparentemente o único lugar onde um homem poderoso como Enkidu consegue ser uma pessoa inocente é na selva, enquanto na cidade o poder de Gilgamesh é direcionado à violência e à libertinagem.